05/07/2011,às 17:26 \ Direto ao Ponto, Augusto Nunes
“Quero assumir o compromisso de rever minha conduta”, prometeu renegerar-se o governador Sérgio Cabral ao emergir do silêncio de sete dias, imposto pelo acidente que escancarou as relações mais que perigosas mantidas com empresários que prosperam no Rio de Janeiro.
Além de sete mortes, a queda do helicóptero no sul da Bahia provocou ferimentos graves na imagem do governador que voa em jatos da frota de Eike Batista e festeja em resorts de cinema o aniversário do empreiteiro Fernando Cavendish, dono da construtora Delta, que administra 99 em cada 100 canteiros de obras públicas plantados no Rio.
Se tivesse ficado na frase em que jurou redimir-se, o pecador talvez induzisse muitos brasileiros, aplicados profissionais da esperança, a acreditar que até um Sérgio Cabral tem jeito. Mas políticos, como jogadores de futebol, raramente param na hora certa. A discurseira prosseguiu ─ e o governador passou sem escalas do luto ao deboche quando informou que, para mudar de conduta, baixaria um decreto que o obrigasse a mudar de conduta.
“Vamos construir um código juntos, vamos estabelecer os limites”, recitou Cabral. “Tem um código nacional, se não me engano, feito no fim do governo Fernando Henrique Cardoso, em 2002. E deve haver estados em que há. Adoro Direito comparado. Vamos ver o que há em outros lugares do Brasil e no mundo”. Para espanto do país que já não se espanta com nada, o primeiro a aplaudir a ideia foi Eike Batista, que qualificou de “perfeito, maravilhoso” o falatório do parceiro de pecados.
“O governador falou, é isso aí”, aplaudiu. “Que se estabeleça esse código de conduta. A gente respeita as regras do jogo”. Como lembrou uma reportagem de VEJA desta semana, leis existem de sobra. Só falta cumpri-las. Cabral descobriu que bastaria adotar o Código de Conduta Ética do governo federal. Nesta quarta-feira, um decreto no Diário Oficial fluminense publicará o texto do código. Outro criará a Comissão de Ética Pública Estadual e a Comissão de Ética da Alta Administração, concebidas para enquadrar os infratores.
A partir de amanhã, portanto, Sérgio Cabral saberá que, como agente público, não pode receber de empresários com interesses na administração estadual “presente, transporte, hospedagem, compensação ou quaisquer favores, assim como aceitar convites para almoços, jantares, festas e outros eventos sociais”. Faz de conta que nunca desconfiou que isso é, na hipótese mais gentil, um soco no fígado da ética. Faz de conta que nunca imaginou que poderia estar agindo como um fora-da-lei.
Se for obediente às regras que chancelou, acabaram-se os passeios aéreos, as férias em ilhas caribenhas, as viagens à Suiça e as festanças em hotéis seis estrelas, fora o resto. Nem por isso o governador está dispensado de prestar contas de delinquências ocorridas desde que assumiu o cargo. Tragédias não matam culpas, códigos não anulam prontuários. É preciso investigar os privilégios e vantagens que permitem a Eike Batista ampliar a fortuna imensa. É preciso vasculhar os contratos com a Delta.
Os casos de Antonio Palocci e Alfredo Nascimento avisam que o governo federal resolveu combater a ladroagem endêmica com pedidos de demissão ou exonerações de subordinados. O governador fluminense, aparentemente, acha que é possível suprimir o passado por decreto. Não é, reafirma o vídeo de um minuto e meio reproduzido abaixo. Vale a pena revê-lo.
Na entrevista concedida durante a campanha eleitoral de 1996, o jovem candidato a prefeito do Rio pelo PSDB reage com indignação à pergunta sobre ligações suspeitas com empresários. E perde a paciência de vez quando é comparado ao ex-presidente Fernando Collor. Se a comparação for reprisada agora, é provável que Collor se sinta ofendido.
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